25 de novembro de 2007 N° 15429
O brete é políticoTema para debate
O Rio Grande do Sul, perplexo, assiste nos últimos dias a um curioso final de jogo. Quem foi derrotado recolhe-se. Quem aparentemente ganhou não comemora porque sabe que também perdeu.
Para quem testemunha essa situação sem vínculo partidário ou interesse eleitoral, parece claro que a questão financeira do Estado não era o item mais importante colocado em jogo semana passada. Nem será a conseqüência mais grave do que aconteceu.
Grave, gravíssima é a nossa incompetência coletiva, de todos nós, em formar consensos mínimos que tirem o Rio Grande do brete.
Com razão, orgulhamo-nos do fato de que aqui são outros quinhentos. Aqui, felizmente, todos temos opinião sobre tudo, todos gostamos e sabemos discutir. Se houver eleição na Nasa, teremos ao menos dois comitês na Rua da Praia. Nosso único problema, aparentemente, é não saber como encerrar as discussões.
Nossos partidos não são hoje nem mais fortes nem melhores do que eram Arena e MDB, para ficar em um exemplo recente. Mas Guazzelli e Simon souberam ir juntos ao general-presidente buscar o Pólo. Terão traído suas posições?
Nossa política e nossas guerras não terão sido mais dramáticas que a espanhola. E lá, na morte do franquismo, sentaram-se todos em Moncloa para separar o que deveria ser a matéria-prima da divergência e o que precisava, em nome do país, ser buscado como convergência. Definiram-se o que são assuntos de Estado, que interessam a todos e cuja responsabilidade pertence a todos. E o que são os deliciosos assuntos de governo, onde todos podem brigar à vontade, sem maiores conseqüências. Esse espírito permitiu que semana passada um socialista extraordinário - Zapatero - desse uma lição de dignidade ensinando a diferença entre divergir de um conservador (Aznar) e deixar que um ex-presidente de toda a Espanha seja insultado. Zapatero traidor?
A política gaúcha, terceiro exemplo, não será mais dramática e difícil que a brasileira. Nela, um presidente corajoso, Lula, estabeleceu na prática consensos importantes dando seqüência a pontos que haviam sido conquistados não pelo governo anterior mas pelo país: prioridade ao equilíbrio fiscal, estabilidade da moeda, respeito aos contratos, parcerias com a iniciativa privada. Da mesma forma que alterou outras políticas. Lula traidor?
E nós? Seguimos negando a humilhante gravidade da crise. O Estado líder, acostumado à ponta da tabela, disputa com Alagoas as piores contas públicas do Brasil. Nossos antes modelares serviços públicos decaem. Somos uma geração perdulária, que a exemplo de muitas empresas familiares, dilapidam um patrimônio secular de eficiência e qualidade coletivas.
Igual a nós, apenas o doente que tomado pela dor procura com insistência o médico. Queixa-se de tudo, sente que está enfraquecendo. Mas recusa-se a aceitar qualquer tratamento - de esquerda, de direita, de qualquer tipo. E a cada quatro anos troca de médico, queixa-se de novo, até porque as dores não tratadas se agravam. E de novo não chega à decisão sobre tratamento algum...
Somos o único dos grandes Estados brasileiros que não deu seqüência a qualquer tipo de reforma eficaz. Entre eles, somos o único que nunca reelegeu nenhum governador. Somos o único onde todos os grandes partidos já estiveram no poder. Somos o único onde a divergência tornou-se o objetivo da política e não uma etapa necessária do debate, antes de apurarem-se, em nome do interesse público, convergências sobre alguns poucos pontos, os vitais, os assuntos de Estado - equilíbrio das contas públicas, previdência, políticas efetivas de inclusão social, geração de empregos e atração de investimentos.
Estamos doentes na forma de fazer política. Os partidos desagregados, as responsabilidades sendo dissimuladas e a cada falso jogo, como o da semana passada, o pior dos castigos: nem quem ganha comemora. Até porque sabe que amanhã vai perder...
Como sugestão, uma pequena história da Constituinte: discutia-se um tema terrível, a reforma agrária. Dezenas de fórmulas eram apresentadas e imediatamente incineradas pela radicalização do debate. Até que um sábio senador ensinou: "Parem de discutir fórmulas e preocupem-se com o clima. Se o clima for ruim, nenhuma fórmula, mesmo boa, será aceita e implantada. Se o clima for bom, a fórmula aparece".
E não adianta se queixar a São Pedro...
ANTÔNIO BRITTO Ex-governador do Rio Grande do Sul
negritos nossos